SOBREVIVENDO EM GRANDE ALTITUDE

Treinamento em Câmara Hipobárica
Marcos Pontes
02/12/2005

“Senhores passageiros, bom dia! Aqui quem fala é o comandante. Bem vindos a bordo. Nesse momento, estamos cruzando aproximadamente sete mil metros durante a subida para a nossa altitude final de cruzeiro. As condições do tempo no destino são boas e o nosso vôo terá duração total de duas horas e vinte minutos. Tenhamos todos um bom vôo. Muito obrigado!”
Tranquilamente, você reclina sua poltrona, abre o jornal e começa a ler as notícias do dia, entre um e outro gole do refrigerante servido pelos comissários de vôo.
Enquanto isso, os componentes do sistema de pressurização do avião trabalham para manter as condições internas da aeronave dentro de limites confortáveis, pré-estabelecidos e próximos do que normalmente temos no solo. Basicamente, um compressor garante um fluxo de ar sob pressão adequada para dentro do ambiente, enquanto sensores de pressão e válvulas de alívio controlam os limites. Lá fora, a pressão e a temperatura diminuem consideravelmente conforme ganhamos altitude.
Um ruído súbito. Grave, forte e seco, como uma batida contra a superfície do avião. Seguem-se alguns milisegundos de silêncio. Parecem horas na sua mente confusa e surpresa. Algo ruim aconteceu! O coração acelera. Os poucos milisegundos passam. Um assovio alto misturado a outros sons estranhos modulados por gritos de várias direções. A umidade do ar em volta condensa de forma explosiva. Tudo fica branco como se, de repente, estivéssemos dentro de uma nuvem. Fluxo forte de ar frio sobre seus cabelos. Movimentos e vibrações na estrutura do avião. O que fazer? O que é isso? O que está acontecendo? Os sistemas de emergência respondem rápido. Máscaras de oxigênio caem do teto. “É real!”, você tenta se convencer. Lembra-se vagamente da explicação dos comissários, durante a qual você olhava a paisagem do estacionamento pela janela. Aperta mais o cinto. Justo em tempo. Um frio na barriga e a sensação de “descolar” do assento dizem que o avião começou a descer rapidamente. Coloca a máscara. “Não é tão difícil assim”, pensa aliviado. O comandante fala novamente. A voz não parece tão calma quanto da última vez, mas tem o tom profissional de saber exatamente o que fazer naquele momento.
“Senhores, tivemos um problema com uma das portas. Isso ocasionou a despressurização súbita da aeronave. Estamos descendo para uma altitude segura. Por favor, mantenham-se nas poltronas, com os cintos apertados. Os comissários tomarão as providências de segurança necessárias. Pousaremos em breve. Fiquem calmos.”
O que ocorre com o avião e seu corpo nesse momento? O que causou os fenômenos observados na atmosfera interna e os ruídos?
Em termos de fatores externos, a perda da porta fez com que a pressão interna da aeronave fosse repentinamente reduzida, ficando igual à baixa pressão externa. Dentro do seu corpo, além da equalização de pressão nos canais do sistema auditivo e cavidades (nunca voe gripado!), o organismo tenta desesperadamente ajustar-se à nova situação e sobreviver. Para a altitude em questão, sete mil metros, o maior problema é a baixa pressão parcial do oxigênio disponível. O corpo tenta compensar alterando alguns dos seus parâmetros, como a aceleração da frequência cardíaca. Contudo, o tempo de sobrevivência nessas circunstâncias depende da altitude. Isto é, quanto maior a altitude, menor o tempo de vida. Por isso, é importante vestir de pronto as máscaras de oxigênio. A situação de baixa concentração de oxigênio no corpo é chamada “hipóxia”. Dependendo da altitude e do tempo de reação, ela pode ser fatal, levando à perda de consciência e morte em alguns poucos minutos, se tanto. O problema principal, porém, é que um dos primeiros “sistemas” atingidos é o nosso cérebro, e com ele se vai o nosso raciocínio. Isto é, sob condições de hipóxia, perdemos rapidamente a capacidade de avaliar a situação e agir. Os sintomas da falta de oxigênio são individuais, mas de forma geral ocorrem rapidamente, exigindo reconhecimento imediado. Por essa razão, é importante que cada tripulante esteja completamente ciente dos seus próprios sinais e treine as ações imediatas para reestabelecer o fluxo de oxigênio “sem pensar”. Para isso servem as “Câmaras Hipobáricas”.**
Aqui no Centro de Treinamento de Cosmonautas, temos câmaras hipobáricas que são utilizadas com frequência por nós, tripulantes, para reconhecimento dos sintomas de hipóxia, verificação da resposta natural do nosso organismo e treinamento de procedimentos de emergência e técnicas de aumento de resistência do corpo à esta condição. Todas as atividades são coordenadas e acompanhadas por médicos com especialização em medicina aeroespacial. Esse exercício é necessário no nosso caso, como cosmonautas a bordo da Soyuz, não só para responder às possíveis emergências, mas também porque, durante uma descida normal, a pressão da cápsula é equalizada ao ambiente externo automaticamente a 5.5 km de altitude através da abertura, por carga pirotécnica, da válvula de despressurização do módulo de descida. Portanto, temos que estar preparados técnica e fisiologicamente para esse evento “normal” no plano de descida do vôo espacial.
Por outro lado, durante as nossas viagens aqui na Terra, embora a despressurização total e repentina da cabine de um vôo comercial seja um evento “anormal” e bastante improvável, aí vai uma dica: esteja sempre preparado, deixe para apreciar a paisagem do aeroporto depois das instruções dos comissários!


** O nome “hipobárica” refere-se à “Pressão Reduzida”. Isto é, simula as condições naturais de grande altitude. Em contraste, existem também as câmaras “hiperbáricas”, que simulam grandes pressões encontradas, por exemplo, durante mergulhos